Recebi alguns pedidos para comentar o caso que tornou de grande repercussão nas redes sociais sobre o abuso perpetrado pela funcionária da Receita Federal na fiscalização alfandegária no aeroporto do Rio Galeão. A verdade é que ninguém quer dizer a verdade inconveniente por trás de toda essa história independente das intenções da passageira ou da funcionária. Mas para chegar lá vamos reler o que diz a lei (IN RFB 1059 de 2010) a respeito da entrada de bagagens acompanhadas provenientes do exterior, que se segue:
Seção III
Da Isenção
Art. 32. Será concedida isenção do imposto de importação (II), do imposto sobre produtos industrializados (IPI), da contribuição para os programas de integração social e de formação do patrimônio do servidor público incidente na importação de produtos estrangeiros ou serviços (PIS/Pasep-Importação) e da contribuição social para o financiamento da seguridade social devida pelo importador de bens estrangeiros ou serviços do exterior (Cofins-Importação) incidentes sobre a importação de bagagem de viajantes, observados os termos e condições estabelecidos nesta Seção.
§ 1º A isenção a que se refere o caput, estabelecida em favor do viajante, é individual e intransferível, observado o disposto no inciso II do caput do art. 2º desta Instrução Normativa e no art. 160 do Decreto nº 6.759, de 2009 (RA/2009).
§ 2º Independentemente da fruição da isenção de que trata o caput, o viajante poderá adquirir bens em loja franca no território brasileiro, por ocasião de sua chegada ao País, com isenção, até o limite de valor global de US$ 500.00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, observado o disposto na Portaria do Ministro de Estado da Fazenda nº 112, de 10 de junho de 2008, e na Instrução Normativa RFB nº 863, de 17 de julho de 2008.
§ 3º A isenção referida no caput não se confunde com a relacionada ao comércio de subsistência em fronteira, regulada em norma específica, podendo tais isenções ser utilizadas isolada ou cumulativamente.
Art. 33. O viajante procedente do exterior poderá trazer em sua bagagem acompanhada, com a isenção dos tributos a que se refere o caput do art. 32:
III – outros bens, observado o disposto nos §§ 1º a 5º deste artigo, e os limites de valor global de:
a) US$ 500.00 (quinhentos dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, quando o viajante ingressar no País por via aérea ou marítima; e
b) US$ 300.00 (trezentos dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, quando o viajante ingressar no País por via terrestre, fluvial ou lacustre.
b) US$ 150,00 (cento e cinquenta dólares dos Estados Unidos da América) ou o equivalente em outra moeda, quando o viajante ingressar no País por via terrestre, fluvial ou lacustre.
(Redação dada pelo(a) Instrução Normativa RFB nº 1533, de 22 de dezembro de 2014) (Vide Instrução Normativa RFB nº 1533, de 22 de dezembro de 2014)
Então, agora é que vem a parte mais difícil que é a interpretação da lei, mas vamos tentar de forma devagar, e técnica, entender o que o legislador quis dizer ao escrever o mandamento. Bom, comecemos pelo art. 33, inciso II que é bem explícito quando afirma que bens de uso ou consumo pessoal são isentos de tributo, e é aqui que mora o gatinho. Muita gente acredita que qualquer coisa comprada para si entrará nessa categoria, o que não é verdade, porém de outro lado a Receita acredita que nada é uso pessoal do passageiro. Por Exemplo, se você compra tapetes em Dubai, ou cortinas em Abu Dabhi, ou ainda um microondas nos Estados Unidos, esses produtos não configuram uso pessoal, afinal de contas qualquer pessoa pode usar. Entede-se por uso pessoal apenas aquilo que você e apenas você pode fazer uso, logo uma TV entra no cômputo, assim como a maioria dos utensílios domésticos, por isso os fiscais contam esses tipos de produto. Mas aqui sai um gatinho preto, pois os tempos evoluíram, e equipamentos como Tablets, Smartphones, Laptops que são os mais taxados são justamente os equipamentos puros de uso pessoal, ou você vai emprestar seu laptop, tablet e smartphone para alguém utilizar? Esses equipamentos são intimamente ligados a sua personalidade online, por meio de redes sociais, e identidade virtual como histórico de navegação, aplicativos utilizados, entre outros, e é aqui que começa o abuso. Obviamente, que estamos tratando aqui da entrada no Brasil com apenas 1 equipamento desse tipo, pois 2 pode configurar revenda, e nesse caso não há o que discutir.
Então, pelo menos no meu entendimento, computadores, laptops, tablets, smartphones, desde que trazidos em 1 unidade não deveriam ser computados na cota por ser de uso exclusivamente pessoal. No entanto é de prática comum dos fiscais em computar esses valores na cota, o que na minha opinião é uma conduta abusiva, pois eles estariam desrespeitando a lei, e perceba bem que eu fiz questão de deixar claro que somente aqueles bens de uso exclusivamente pessoal estariam isentos de acordo com uma lei que nem “exclusivamente” traz escrito, ou seja, interpretando a lei em benefício da Receita. O mesmo pode ser aplicado a roupas, sendo que caso você traga até 3 peças da mesma roupa compatíveis com seu uso (tamanho) não deveriam entrar na cota, diferentemente das roupas de bebês trazidas em enxoval do exterior, que podem sim entrar na cota, por essa vestimenta não ser compatível com a de um viajante adulto.
Agora vamos lá, vou relatar o que ocorreu comigo numa das inúmeras vezes que adentrei o Brasil pelo Rio Galeão no último ano. Eu não costumo trazer absolutamente nada, pois estou viajando quase o tempo todo, então é uma vez ou outra que eu trago algo, mas eu viajo com um Surface para não deixar vocês órfãos na ocasião de um bug ou veiculação de uma boa promoção aqui no Blog. Esse Surface custou exatamente 500 dólares americanos, e fiz questão de declarar quando cheguei com ele no Brasil mesmo que não fosse devido o imposto, pois era a única coisa que estava trazendo naquele momento comigo. Então sempre chego com o DARF em mãos para evitar de o Surface ser computado na cota, embora na minha opinião pessoal e profissional eu acredito que um laptop ou tablet deveriam ser isentos por padrão por se tratarem de uso exclusivamente pessoal, como escrevi acima.
Pois bem, ao chegar na parte da receita com apenas uma mala de mão me pediram para colocar a mesma no Raio-X, e então me separaram para triagem. A primeira coisa que foram em cima foi no Surface, e quando mostrei o DARF, a fiscal claramente decepcionada ordenou a abertura da mala, quando então pegou uma calculadora e começou a computar o valor das coisas que lá estavam. Foi aí que percebi o abuso. A fiscal simplesmente anotou 2 pares de calça jeans da Tommy no valor de 35 dólares cada par, um claro, e outro escuro do mesmo tamanho. Então, surpreso eu indaguei se os dois pares de calça não estariam na isenção de cota, e a resposta foi chocante. A fiscal afirmou que como as calças estavam com etiqueta poderiam ser revendidas e por isso deveria ser computadas, e então na mesma hora eu arranquei as etiquetas, e a mesma disse que agora não adiantava mais, pois eu havia feito aquilo na frente dela, ou seja, ao fazer aquilo a intenção era justamente provar que não era intenção revender as calças que eram exatamente do meu tamanho.
Seguindo, eu havia trazido alguns brinquedos para minha sobrinha, que no total computavam cerca de 70 dólares, e eu estava com a nota fiscal da Toys R US. No momento da discriminação na folha da fiscal ela dobrou os valores ignorando a nota fiscal, e nesse momento eu interrompi a fiscalização, e solicitei o supervisor. Então ao chegar, eu expliquei a situação, informei o ocorrido, e afirmei que se fosse continuar fazendo daquela forma que ele lavrasse um auto de apreensão, e eu iria me entender com a Receita na esfera judicial, pois a administrativa estava me parecendo claramente eivada de vício. Como viajo bastante, o supervisor se lembrou de mim, e inclusive foi ele quem fez o DARF do meu Surface, e ao olhar sucintamente a minha mala de mão aberta me liberou. A fiscal que havia dado início a fiscalização ainda chegou a reclamar com o supervisor que a ignorou.
Essa foi a minha história, e por falto de maiores informações não posso falar da história de ninguém, porém aos meus olhos, aquela fiscal que me interpelou não o fez para garantir a lei, mas sim para tentar arrecadar algo, e com o tempo, sempre que voltava ao Brasil faço questão de passar vagarosamente na Alfandega para observar os fiscais, e a impressão que eu tenho, é que o trabalho não é para proteger a lei, mas sim a arrecadação de valores para a União. Parece que o tratamento padrão é como se todos fossem muambeiros, e você percebe claramente um esforço brutal para submeter você ao pagamento de algo, qualquer valor que seja. Eu já presenciai situações que o fiscal simplesmente ao olhar a mala arbitra um valor aleatório, e corre para pegar o próximo passageiro, e todos são tratados como se estivessem no erro.
Tudo bem que existem pessoas que exageram, que abusam e trazem mesmo muamba, e afins para vender no Brasil, porém até mesmo esses merecem respeito, mesmo que estejam no erro. Foi desde aquele momento que fui parado que decidi sempre trazer 4 caixas de Água dos Estados Unidos na mala. Faço questão de despachar a mala e passar no Raio-X, por que? Porque você consegue ver a intenção do fiscal de forma cristalina. Ao passar a mala no Raio-X, tem fiscal que dá pulos de alegria, e vem perguntar o que está ali dentro, se é Whisky, Vinho, ou Vodca. Mas a melhor parte é quando você fala “Água”, e o fiscal manda abrir a mala, e você abre e vê a cara de decepção do fiscal. Alguns chegaram a me xingar, sim, isso mesmo, quando verificaram que se tratava de água saíam do local me xingando em voz baixa, mas de forma que eu escutasse. Então isso revela o verdadeiro objetivo dos fiscais, e a verdade inconveniente por trás disso tudo, que é a ARRECADAÇÃO a todo custo, você estando certo ou errado.
No que se refere ao caso da funcionária que já foi afastada e está sendo investigada, nesse momento prefiro não comentar por carecer de detalhes do ocorrido, mas pelo que li da pessoa que supostamente sofreu o abuso, me parece plausível a história. Eu, particularmente, gostaria que todos que se sentissem abusados procurassem os seus direitos e compartilhassem seus casos na internet, pois está na hora de a Receita Federal servir o cidadão, e não ficar buscando maneiras de taxar aquele que sustenta esse país. Nunca abaixe sua cabeça na Alfandega, e se possível traga água para você perceber como é a vontade de “fiscalizar” em prol do Brasil. Boa Viagem.
*Charge de Jorge Braga.