*Uma Super Análise do nosso Colunista Dr.Luiz Danna
O novo programa de “fidelidade” da American Airlines

Em 17 de novembro de 2015 a American Airlines anunciou mudanças no seu programa de “fidelidade”. A American introduziu em 1981 o seu programa de fidelidade, O AAdvantage, e desde o início, foi considerado como sendo o melhor programa da indústria da aviação, sendo seguido por inúmeras outras companhias, passando a ser o referencial para a concorrência, o ideal a ser atingido.

Mas as atuais mudanças mostram que o programa deixou de ser o líder para seguir o que a concorrência faz nos mínimos detalhes. Só quem está na liderança pode exigir algo. Aquele que está no bolo, e é igual a todos, tem apenas que aceitar o que consegue amealhar para si.

Qualificação

Os níveis de qualificação se mantiveram os mesmos, talvez uma das únicas coisas que não copiaram a concorrência: 3 níveis de status elite (Gold, Platinum e Executive Platinum). Os requisitos para a qualificação também continuaram semelhantes.

A grande “inovação” do programa foi uma nova maneira de acumular pontos/milhas para a qualificação e requalificação: os pontos fundiram-se com as milhas, ou seja, antes você podia se qualificar ou por pontos ou por milhas, e agora só por milhas que funcionarão quase como funcionavam os pontos, com a diferença de que então o mínimo de milhas que se receberá será igual a 1 milha, e nas classes superiores de serviço até 3 milhas para qualificação.

Alguém na American comprou essa ideia e o marketing está aí tentando vendê-la para os clientes dela. A teoria é linda, mas acho que na prática não vai ocorrer o que eles estão achando que vai ocorrer. Em 2014 eles testaram essa ideia com mais pontos e bônus para quem comprasse os assentos em classe executiva e primeira classe. Não dispomos dos dados do quanto isso ajudou a vender mais passagens em classes superiores, mas, acredito eu, tenha tido um bom efeito sim. Mas lembrem-se: teve um bom efeito com as regras anteriores de qualificação e acúmulo de milhas, daí até extrapolar e dizer que com as regras atuais (novas) com bem menos benefícios para os passageiros elites vai funcionar é algo bem diferente, e muito arriscado pensar que será igual.

Dizendo que vai ser “mais fácil” para o passageiro se qualificar em 2016, o que a American realmente quer é que todos passem a comprar passagens mais caras e gastem mais. Que companhia não quer isso, ou que presidente que não quer um país sem legislativo e judiciário para atrapalhar?

Não acho que tenha ficado nada mais fácil se qualificar de maneira alguma:
*quem compra passagem de executiva e primeira, vai continuar se classificando rápido da mesma maneira que fazia antes, com um pequeno adicional de “pontos”.
*quem tinha uma mistura de econômica com grande desconto e executiva/primeira, esse vai ter um certa vantagem com a fusão de pontos com milhas. Mas por outro lado, é difícil imaginar um passageiro que compra econômica com grande desconto (tarifas O e Q por exemplo) e que também compra executiva/primeira. Parecem duas coisas opostas, que não devem acontecer com o mesmo passageiro.
*passageiro que só compra econômica, que no fundo, está interessado somente no preço da passagem. Convenhamos, quem está interessado no preço da passagem dificilmente está interessado em gastar mais.

A falsa ideia de que tudo ficou mais fácil, se comprar executiva/primeira vai fazer você chegar mais rápido à qualificação, é enganosa. No modelo anterior, se eu me classificasse por milhas, era só voar as milhas necessárias. No modelo novo, se eu comprar em executiva/primeira, eu vou me qualificar mais rápido pois receberei de 2 a 3 vezes mais milhas. Lembre-se que uma tarifa em executiva é de 4 a 5 vezes mais cara que um passagem de econômica promocional, e de primeira classe é pelo menos 10 vezes mais cara que uma passagem de econômica promocional. Ganhar 2 a 3 vezes mais milhas qualificáveis é muito, mais muito menos que pagar de 5 a 10 vezes o preço pelo mesmo voo.

Analisando o que o próprio presidente Scott Kirby disse em outubro, 87% dos passageiros que voam American hoje, voam uma vez ou menos por ano, e eles respondem por 50% do faturamento da empresa, as novas medidas não vão afetá-los em absolutamente nada, ou seja, esse 50% do faturamento continuará inalterado, não vão render nada mais do que já rendem. Essa enorme fatia do bolo só viaja com a American por uma única e simples razão: o preço da passagem.

Dos outros 50% do faturamento da empresa, ou 13% dos passageiros, acredito eu, são os passageiros mais fiéis e que têm algum status elite, e o que a American quer no momento é que eles comecem a gastar mais e comprem executiva ou primeira ao invés de classe econômica. Vai funcionar? Vamos pensar.

Desses 13% de passageiros que voam frequentemente com a American, provavelmente a esmagadora maioria são passageiros que voam a trabalho (dificilmente alguém voa mais de 2 vezes ao ano para lazer), e dos que voam a trabalho, provavelmente recebem suas passagens da empresa em que trabalham e, pior ainda, dificilmente vão conseguir convencer a empresa que trabalham a comprar executiva ou primeira ao invés de econômica só porque vai ser melhor para o passageiro/funcionário.

O Status Elite.

Por que alguém quer ter um status elite em uma companhia aérea? A resposta é simples:
*para “ganhar” o que não pode ou não gostaria de pagar: assentos preferenciais, upgrades, acesso às salas vips.

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*para “ganhar” milhas para usar para uma outra viagem.

Esses benefícios na verdade não são bem benefícios. Eu gosto de dizer que nada mais são que “sobras” do que a companhia aérea não consegue vender do seu estoque. Alguém acha que a companhia aérea vai dar um upgrade da econômica para a executiva para qualquer passageiro que seja, se ela achar que tem a mínima condição de vender esse assento? Claro que não, se for um voo de quinta ou sexta feira em uma rota com grande quantidade de passageiros à trabalho, o upgrade só sai na última hora quando a companhia tiver certeza que não vende mais nenhum assento para ninguém. Vale dizer que não tem nada de errado com isso, a companhia aérea vive de lucro e não é uma instituição de caridade.

Os Benefícios

Animais de circo só fazem gracinhas se no final tiverem um torrãozinho de açúcar ou qualquer coisa assim. O mesmo acontece com os passageiros “fiéis” de uma companhia. E quanto maior forem os “benefícios” (lembrem-se que os “benefícios” estão entre aspas porque eu os considero como sobras do que a companhia não conseguiu vender), mais fiéis serão passageiros. O contrário também é verdadeiro.

E se uma coisa que os americanos sabem fazer com perfeição é cativar seus clientes, e fazem isso oferecendo “algo mais”. Para toda e qualquer companhia, seja ela americana ou não, o cliente não passa de um número que dá mais ou menos lucro. Mas os americanos têm a incrível capacidade de fazer esse número achar que é especial, e fazer isso com torrõezinhos de açúcar ou benefícios. Eu acho admirável essa capacidade de te conquistar com tão pouco, sem ironia aqui.

Os principais “benefícios” que se almeja quando você é um passageiro frequente de uma companhia aérea são:
*upgrades
*sentar em um bom assento na classe econômica
*usar a sala vip
*acumular milhas para depois usá-las para passagens prêmios ou upgrades.

Todos esses benefícios, com exceção do último, só servem para que compra passagem de econômica. Quem compra passagem de executiva/primeira, já senta em um ótimo assento, já usa a sala vip, e até recebe um bônus de milha pela classe superior de serviço.

Ou seja, quem quer benefícios, é o passageiro da econômica que viaja muito, não o passageiro da executiva/primeira. A American alega que quer beneficiar o passageiro que mais dá lucro (o que está correto, lógico), e pelo visto perdeu o interesse pelo passageiro que viaja muito e/ou compra passagens com desconto. Aí vem a pergunta: “Que vantagem teria dar benefícios para os que já tem?” Não me parece fazer muito sentido.

Talvez as duas mudanças mais significativas do programa foram os diferenciais que a companhia ainda mantinha em relação à concorrência: redução pela metade do número de upgrades oferecidos para o nível elite superior, e a drástica redução no acúmulo de milhas para o segundo semestre de 2016. Igualou-se à concorrência? Não, acho que ficou pior. Com as alterações, o número de SWU (System Wide Upgrades) foi cortado pela metade, de 8 para 4 (o marketing tem a cara de pau de dizer que você pode conseguir mais 4 e ter 8 como tinha anteriormente, basta fazer o dobro de milhas). A mudança faz sentido, a companhia quer que você compre executiva ou primeira, então é melhor diminuir sensivelmente sua capacidade de poder fazer upgrade.

Por que eu digo que piorou? Na concorrência, a Delta também oferece só 4 desses certificados mas que podem ser utilizados nas companhias parceiras KLM e Air France. A United oferece 6 mas tem algumas limitações de tarifa para serem usados. Piorou e piorou muito esse benefício, inclusive comparando com a concorrência.

Eu não estou confiante de que o que a American planeja vai ser alcançado, e acho que compraram uma ideia que estão tentando vender, e não vão conseguir. Acho eu, e posso estar errado, pelos amigos que eu tenho e que viajam bastante, que os passageiros que compram econômica dificilmente vão comprar executiva/primeira classe. E os passageiros que compram executiva/primeira classe não têm interesse em fidelização, ou pelo menos não é seu interesse principal. Todos as pessoas que eu conheço que só compram passagens de executiva ou de primeira classe nunca compraram passagem de econômica, e nenhum deles é fiel a nenhuma companhia, até têm o programa de milhagem, acumulam milhas mas não dão muita importância para essas milhas.

Quem tem dinheiro para pagar mais caro, tem outros interesses que simples benefícios. Esse nicho de passageiros quer: voos diretos, horários bons, assentos confortáveis, e o diferencial, que é o serviço dentro e fora da aeronave.

O serviço de bordo da American tanto nos voos domésticos quanto nos internacionais, tanto na econômica quanto na executiva e primeira classe, melhorou muito nos últimos anos, já foi bem pior. Os funcionários hoje são bem mais treinados que há 3 ou 4 anos atrás, estão bem mais atenciosos e simpáticos. Quem já voa há mais de 5 anos na American (eu voo há mais de 22 anos) sabe que houve uma sensível melhora. Porém, quem já voou em uma empresa asiática ou do oriente médio, sabe que não dá para comparar com o serviço não só da American mas de qualquer outra empresa americana em qualquer classe de serviço. É como compara vinho em embalagem longa vida com um ótimo vinho francês ou italiano.

No mercado doméstico americano, a American não tem fama de ótimos serviços. A concorrência também não. Algumas tentam se sobressair, mas não vejo nenhuma se destacando.

No mercado internacional as concorrentes são feras. Mesmo dentro da própria OneWorld da qual a American faz parte, as “aliadas” vivem na lista das melhores companhias aéreas do mundo: Qatar, Cathay Pacif, JAL, Qantas e British. Vale dizer que nessa lista não existe nenhuma companhia americana antes da 26 posição onde aparece a Virgin America. E tanto Delta como United aparecem na frente da American (http://www.worldairlineawards.com/awards/world_airline_rating.html).

Aí vem a pergunta que não quer se calar e afeta não só a American como as outras americanas: “Devo escolher ir para Hong Kong de American ou Cathay Pacific? Austrália de Qantas ou American? Ou Tóquio, será que vou de Delta ou ANA ou JAL? Melhor escolher United para Dubai direto ou vou de Emirates, ou até fazer escala em Abu Dhabi e escolher Etihad? Algum dos benefícios apresentados pela American (ou qualquer outra companhia Americana) influenciariam os passageiros pagantes de classe executiva e primeira classe dessas rota? Fidelidade influenciariam em algo para esse tipo de passageiro? Parece óbvia a resposta.

Fazendo uma analogia do novo AAdvantage, tentem imaginar um vendedor de carro vendendo um carro alemão de uma grande marca que para fechar o negócio oferece grátis insulfilme ou pintura metálica. Não é por aí, esse cliente quer saber quanto tempo demora a blindagem para ficar pronta. E se você só tem nas mão um carro de uma marca francesa pouco desejado pelos consumidores, tem que oferecer taxa zero e muitos, mas muitos opcionais “sem custo”, senão não vende. O sujeito que paga primeira classe quer saber se vai ter caviar e champanhe francesa, quer saber se ele pode tomar banho no avião. Ele não vai escolher a American porque ele pode ganhar um certificado para ele talvez, apenas talvez, comprar uma passagem de econômica e receber executiva.

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A Exposição desnecessária do AAdvantage

Postando um lucro recorde no terceiro trimestre de 2015, com acionistas estourando champanhe, passageiros voando como nunca e muito felizes com a sua opção de companhia aérea, funcionários trabalhando felizes, o que a gerência dessa companhia pensa? Que é muita felicidade junta, alguém precisa chorar um pouco. Se tudo está dando certo, a American decide fazer mudanças radicais que podem impactar e muito na sua receita.

Eu tenho a impressão que a hora escolhida para essas mudanças foi catastroficamente errada. Quando uma companhia têm lucro recordes, ela começa a dar benefícios. Quando uma companhia tem prejuízos, corta benefícios. A administração da American está fazendo exatamente o contrário. Quando a companhia apresentava prejuízos e as concorrentes também, implementar o tal sistema “revenue” era algo fácil de explicar e de pouco impacto, fazia sentido. As concorrentes fizeram, a American não. Não só não fez mas sabiamente, de forma agressiva, flertou com os passageiros das concorrentes que passaram a ser “revenue” e conseguiu “roubar” muitos desses passageiros da concorrência mostrando que de fato tinha um sistema de benefício muito melhor que a concorrência.

E agora? Agora acho eu que a situação da American piorou muito e ela está muito exposta e vulnerável nesse momento. A situação das companhias aéreas americanas melhorou muito, e com certeza a concorrência vai saber aproveitar disso. A agressividade que a American teve em “roubar” os passageiros das concorrente (não vejo nada de errado nisso, faz parte do jogo), talvez hoje seja feito pelas concorrente. Com a insatisfação que eu andei lendo na página do Facebook da American e no Twitter, quem pedir um match de status na concorrência vai receber, e vai ser uma debandada geral de passageiros muito fiéis da American que passarão para a concorrência.

E o que pode ser pior ainda, as concorrentes que fizeram reformas em seus programas de fidelidade quando estavam todas com prejuízo, podem começar a dar benefícios agora, ou benefícios que tiraram de seus passageiros, ou benefícios novos, enquanto a American drasticamente retirou tudo que tinha de bom em seu programa. Imaginem se a Delta resolve aumentar o número de upgrades de 4 para 6, ou se a United resolve aumentar o acúmulo de milhas de 8 vezes a tarifa paga pelos seus Golds para 10. A situação pode ficar pior ainda.

Acertaram nas medidas? Acho que foram as medidas erradas na hora errada. Só saberemos disso no segundo semestre de 2016.

O que me deixa triste é que a American conta com algo interessante que poucas outras companhias contam: uma certa paixão dos seus passageiros fiéis, como se fosse um time de futebol. Enquanto assentos se soltavam em voos e ninguém queria começar a voar na American, quem era fiel à American como eu, continuou voando e dando suporte, continuou fiel sem mesmo entender porque fazia aquilo, na esperança que no futuro a American voltasse a marcar gols e voltasse a ser a campeã.

Hoje, quando então a American está “ganhando todas”, postando lucros recordes (não pela competência da administração atual, mas pelas bases sólidas da administração anterior que reestruturou a companhia, combinada com o desabamento do preço do petróleo), agora só vale o pessoal dos camarotes, e o pessoal da geral que sempre incentivou, que foi aos estádios para ver seu time perder de goleada e mesmo assim continuou indo, que faz onda para incentivar seu time quando ele toma um gol, esse pessoal não merece ser valorizado.

As mudanças são para conquistar os passageiros premiums, mas pelo visto, só vão sobrar os passageiros esporádicos. A companhia que almeja conquistar só os abastados pode acabar virando uma companhia low cost. Espero muito estar errado na minha análise.
Dr. Luiz Danna é Oftamologista, e atende diariamente na Clínica de Olhos Doutor Moacir Cunha na Alameda Gabriel Monteiro da Silva 1000 na cidade de São Paulo.

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